Por Juliana Sada
Desde o início de setembro até a manhã desta
segunda-feira, 5 de novembro, quase 300 civis foram assassinados na grande São
Paulo. Em comparação ao mesmo período do ano passado, houve um aumento de cerca
de 90% no número de assassinatos. Ao longo deste ano, foram 89 policiais
militares mortos, a maioria fora de serviço. A onda de violência tem sido
noticiada diariamente pela mídia e sentida pela população moradora da periferia
mas até agora as autoridades não ofereceram uma explicação convincente sobre o
que está ocorrendo, nem apresentaram um plano de combate à violência.
Em entrevista ao Escrevinhador,
o presidente do CONDEPE (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa
Humana), Ivan Seixas, afirma que “foi aberta uma guerra particular entre a PM e
o PCC”. A força da maior facção criminosa do estado de São Paulo, PCC, é
sistematicamente negada pelo secretário de segurança pública, Antônio Ferreira
Pinto, em declarações públicas. Seixas critica a gestão do secretário e
denuncia: “o governador está refém dessa lógica macabra de violência que o
secretário Ferreira Pinto impôs ao aparato de segurança do estado de São
Paulo”.
O CONDEPE tem recebido relatos de policiais
militares e civis que indicam a opção por uma lógica repressiva indiscriminada,
ao invés de uma política de investigação. De acordo com Seixas, esses relatos
muitas vezes vêm acompanhados de pedidos de intervenção: “são vários os que nos
procuram para afirmar que não querem participar dessa matança.
Nos dizem que
entraram para a Polícia Militar para serem policiais e não para serem
matadores”.
Qual a sua hipótese para a onda de assassinatos em
São Paulo? Como o CONDEPE tem acompanhado a questão?
O CONDEPE acompanha com muita preocupação essa guerra particular entre a
Polícia Militar e o PCC. O que nos preocupa muito é a visão repressora que a PM
aplica e impõe à Sociedade e ao próprio governo, que não se baseia numa ação
legal.
Pelos relatos que chegam até nós, vindos de
policiais militares e policiais civis, é que há um motivo não explicitado e foi
aberta uma guerra particular entre a PM e o PCC, mas quem sofre é a população
trabalhadora, que não tem ligação alguma com essa desavença. Reportagens da
mídia diária já indicam que há uma disputa por negócios escusos e ilícitos e os
“sócios” partiram para retaliações mútuas. O certo é que a maioria dos
policiais militares mortos não tinham participação nesses negócios e nessa
guerra particular. São profissionais que foram vítimas indiretas de uma troca
de retaliações. Pior ainda é a situação da população trabalhadora que morre nas
chacinas indiscriminadas.
Nem o governador do estado, Geraldo Alckmin, nem o
secretário de segurança pública, Antônio Ferreira Pinto, deram explicações
sobre o que está ocorrendo. O governo não sabe ou não quer falar?
O governador está refém dessa lógica macabra de violência que o secretário
Ferreira Pinto impôs ao aparato de segurança do estado de São Paulo. Policiais
militares procuram o CONDEPE e pedem que se faça alguma coisa para parar com
essa espiral de violência que mata inocentes. São vários os que nos procuram
para afirmar que não querem participar dessa matança. Nos dizem que entraram
para a Polícia Militar para serem policiais e não para serem matadores. Óbvio
que pedem sigilo sobre suas identidades e, em muitos casos, pedem proteção para
suas famílias, caso lhes aconteça algo por fazerem essas denúncias.
Isso indica que o que reina é a intranquilidade
entre os policiais militares. Indica também que essa aberração de afirmar que a
PM é composta por “combatentes” não encontra eco entre os membros da
corporação. Há que se perguntar sempre nessas ocasiões: Combatem quem ou contra
quem? Em nome do quê? Onde fica a Lei nessa hora? Ao que parece, combatem a
própria população, numa reedição remendada do discurso da ditadura militar, que
se guiava pela paranoia de”Segurança Nacional”, matava todos que aparecessem
pela frente e infernizou o país por longos 21 anos.
Isso não é política de segurança pública em nenhuma
parte do mundo. É a repressão indiscriminada como método de terrorismo de
Estado contra a população trabalhadora. A lógica repressiva é a base do
fascismo e isso não pode ter lugar no Estado de Direito Democrático.
Por outro lado, a Polícia não tem prendido
suspeitos desses assassinatos e nem sinaliza estar realizando investigações
mais consistentes. É isso mesmo? Por que não encontram os culpados?
Pelos relatos feitos por inúmeros delegados da Polícia Civil, foi retirado o
poder de investigação da Polícia Civil paulista. O caso daquele pai que fez a
investigação sobre a morte de seu filho, em Osasco, é a demonstração mais cabal
disso. O DHPP, que deveria fazer a investigação, não investigou nada. O pai da
vítima é que recolheu as provas, os depoimentos de testemunhas e os apresentou
para a mídia diária. Só depois disso é que o DHPP fez alguma coisa, com as
provas apresentadas pelo pai da vítima. E a investigação do pai, que não é
policial, indicou que seu filho foi assassinado por policiais militares que o
confundiram com um assaltante que havia agido nas redondezas do crime. É bom
lembrar que o DHPP é o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, órgão
responsável por investigar esse tipo de crime, por determinação do governador
Geraldo Alckimin.
Em outras palavras, não encontram os culpados por
não investigarem os crimes. A opção é a execução sumária, que pode vitimar
inocentes, como foi o caso.
Existe a possibilidade de agentes da Polícia
estarem envolvidos nas mortes?
Por se tratar de uma guerra de retaliação mútua, sim.
O secretário de segurança pública afirma que o PCC
não tem mais força no estado. Ainda assim, é comum serem noticiadas ações da
organização. Como você vê o poder do PCC e de outras facções criminosas hoje?
O secretário Ferreira Pinto afirma isso há vários anos e sempre reaparece a
realidade para lhe contradizer. É inegável que o crime organizado está vivo e
operante no estado de São Paulo. Negar esse fato é tentar esconder o sol com
uma peneira. Mesmo errando feio em seu diagnóstico sobre o PCC e ter criado uma
não-política de segurança pública, estranhamente, Ferreira Pinto continua
inabalável à frente da Secretaria de Segurança Pública.
Não se combate qualquer tipo de crime sem
investigação. Só a investigação policial desvela crimes passionais, de pequenos
assaltantes ou assassinos. No caso de organizações criminosas é fundamental que
a investigação seja feita com o uso de inteligência estratégica combinada com
ações preventivas.
A opção pela repressão indiscriminada se baseia
sempre no abuso de autoridade e em ações marginais à Lei. A investigação é
sempre feita com base na Lei. Não por acaso que o condutor da investigação é um
delegado de polícia, que é um bacharel em Direito.
Nesta semana teve início a “operação saturação”,
que deve ser expandida para outras favelas da grande São Paulo. Qual a sua
avaliação dessa política? É eficaz?
É um paliativo para essa política de repressão em detrimento da investigação. E
é também uma ação midiática para se opor às denúncias contra os abusos que
acontecem durante as operações repressivas. Não tem eficácia alguma e ainda
viola direitos dos cidadãos pobres, moradores das favelas.
Você acha que São Paulo necessita de uma ação como
as UPPs do Rio de Janeiro?
As UPPs dão resultado pela presença ostensiva da polícia, representante do
Estado, mas não resolve o problema. Para sua implantação recorrem-se aos
métodos truculentos e abusivos do mesmo modo que a política de repressão feita
hoje em São Paulo. A classe média aplaude, a população moradora das favelas
ocupadas pelas UPPs tolera, pois não aguenta mais o clima de violência e guerra
desenfreada, como foi o caso do Rio de Janeiro. É público e notório que o
tráfico não acabou, nem saiu dos morros cariocas. Apenas ficou mais discreto.
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