Osvaldo
Coggiola: Revolução e contrarrevolução
publicado
em 22 de junho de 2013 às 23:52
Vídeos
de Lidyane Ponciano mostram a chegada de manifestantes de Contagem à
Praça Sete, em Belo Horizonte, antes da passeata rumo ao Mineirão
A
REVOLUÇÃO NÃO SERÁ TRANSMITIDA POR FACEBOOK
por Osvaldo
Coggiola
O
movimento de manifestações de rua pela redução da tarifa de transporte começou
há duas semanas, a 6 de junho, com manifestações que reuniram 2.000 pessoas na
Av. Paulista. Dez dias depois, os jornais avaliavam subestimados 230 mil
manifestantes em doze capitais. A 20 de junho, os manifestantes já se contavam
na casa do “mais do milhão”, com um milhão só no Rio de Janeiro.
Em um
momento econômico de ameaças inflacionárias, o movimento cresceu
aproximadamente 100.000% em 15 dias, um índice capaz de fazer corar os maiores
índices hiperinflacionários da história (se 2.000 = 100; 2.000.000= 100.000),
como se cada um dos 2.000 manifestantes paulistanos iniciais tivesse recrutado
mil manifestantes novos em quinze dias.
Uma
representação gráfica deste fenômeno só poderia ser realizada usando uma escala
logarítmica (lembremos que a hiperinflação alemã de 1923, situada na casa dos %
trilhões anuais, foi o primeiro fenômeno que obrigou ao uso de escalas dessa
natureza na análise econômica). O uso massivo das redes sociais foi a
explicação dada ao fenômeno, entre outras.
Certamente,
trata-se de um meio espetacular para acelerar a velocidade e ampliar o escopo
de difusão de ideias e propostas, sob a condição de que elas (as ideias e
propostas) existam previamente.
Ele é
também usado pelo conformismo intelectual que caracteriza a intelectualidade
orgânica (“crítica” incluída) do poder nas últimas duas décadas (não necessária
nem exclusivamente brasileira), que despejou sua previsível cascata de clichés
pseudoexplicativos nas redes sociais (as “dificuldades de relação entre os
governos populares e os movimentos sociais” e vulgaridades derivadas).
O
MPL, criado há dez anos, teve estrutura (horizontal, vertical,
vertihorizotransversal, a que seja), propostas e ideias. Que serviram até
agora. Até agora.
Puxar
tardiamente o saco do MPL, da “juventude brasileira nas ruas”, ou da demagogia
que seja que a curta imaginação permita, é situar-se à rabeira da situação, ou
pretender explorá-la para se manter (desesperadamente) no poder (no governo,
melhor dizendo) ou até para aceder a ele exatamente pelos mesmos meios que ora
se afirma, paradoxalmente, serem ultrapassados.
Até
13 de junho tínhamos só “vândalos” nas ruas, segundo o poder e a grande
imprensa; a partir de 17 de junho, tivemos “manifestantes”, segundo eles
mesmos. Esse foi o primeiro recuo dos mandantes (velhos e novos), de um valor
bem superior a vinte centavos.
Dilma
Rousseff, depois de tomar três sonoras vaias da supostamente multitudinária
burguesia brasileira que lotava as grades do Estádio Mané Garrincha no jogo
inaugural da Copa das Confederações, declarou que as manifestações populares
fortaleciam o atual regime político (chamado de “democracia”) e, depois dessa
façanha intelectual esgotadora, calou-se por vários dias.
Diante
do mutismo, uma penca de “movimentos sociais”, também mudos até então,
incluindo os pelegos habituais da última década (mas também, lamentavelmente, o
MST) lhe propôs “a realização com urgência de uma reunião nacional, que envolva
os governos estaduais, os prefeitos das principais capitais, e os representantes
de todos os movimentos sociais”, além do próprio governo federal, ou seja, uma
monumental convenção federal de bombeiros, uma pizza do tamanho do Brasil,
incluindo (via governadores e prefeitos) os representantes da direita mais
podre e corrupta do país.
Por
ai vai se desenhando uma saída política podre ao monumental impasse de poder.
Da trajetória histórica do MST esperava-se algo mais que a proposta de uma
conciliação apaziguadora com os calheiros, cabrais e outros sarneys. Uma
proposta de organização independente do movimento popular, através de uma
plenária nacional de lutadores, não uma proposta de organização do regime
político para conter o movimento popular.
O MPL
seria o feiticeiro que invocou fáusticamente demônios, incluída uma direita fascista/paramilitar
que agora disputa a hegemonia do movimento nas ruas, que o próprio MPL não
consegue mais esconjurar? Não. O MPL fez exatamente o que devia e o que
anunciou iria fazer, há muito tempo.
Para
que aquilo não acontecesse (a direitona, os P2 e os criminosos, não “vândalos”,
irem para as ruas) era preciso não fazer nada.
Os
manifestantes (supostamente) despolitizados, os milhões que não são de direita,
nem pitboys de academia, nem do PCC, estão fazendo na rua o melhor curso
acelerado de formação política que se possa imaginar.
A
direita militarista/golpista que busca pescar em águas turvas, queimando
bandeiras de partidos e movimentos, receberá o tratamento adequado para o caso
logo que a esquerda se organizar para tanto, disputando a hegemonia política
nas ruas e nos locais de trabalho e estudo, e adotando os procedimentos
historicamente necessários para com os infiltrados policiais, provocadores e
fascistas.
Procedimentos
e métodos que existem desde bem antes que alguém sequer sonhasse com a internet.
E que não mudaram desde então. É isso, ou voltar à casa e esperar pelo próximo
R$ 3,20. Isto é também um curso de formação política para a esquerda que
reaprende, nestes dias, o que aquele velho revolucionário queria dizer ao
afirmar: “O fascismo não se discute, se destrói”. Uma ideia simples, produto de
décadas de experiência e reflexão.
Para
isso é necessário, antes do mais, vontade política e um programa. Tirar R$ 0,20
da tarifa foi uma vitória, mas foi só a primeira. O aumento das tarifas de transporte
foi o estopim de uma situação social degradada (e, em muitos aspectos, piorada
nos últimos anos), mas não qualquer coisa nem qualquer reivindicação podem ser
um estopim.
Os
transportes e suas tarifas eram e são o resumo cotidiano da miséria brasileira.
Que se padece todo dia, no bolso, na pele e no corpo. E nos nervos. As redes
sociais não têm nada a ver com isso. Não é possível usar um laptop viajando em
pé em um ónibus superlotado das cidades brasileiras. O(a) sociólogo(a) que
afirmou estarmos diante de um movimento de jovens de classe média pelo uso
maciço de computadores e redes está, como dize-lo suavemente?, muitíssimo
errado.
Andar
de ónibus em São Paulo custa, medido em tempo de trabalho, dez vezes mais
(1.000% a mais) do que em Buenos Aires; 120% a mais do que…. em Paris!; 110% a
mais do que… em Londres!; e até 50% a mais do que em Tóquio, uma das cidades
mais caras do planeta, a mais cara das “grandes”.
A
tarifa equivalente a US$ 1,50 em São Paulo é paga pelo uso de 13.900 veículos
na capital paulista, contra 14.100 veículos que existiam em 2004. De 200 mil
viagens diárias, se passou para 193 mil, em que pese o aumento populacional:
milhões de pessoas a mais, viajando por um valor maior, em menos ónibus e menos
viagens. Uma refinada e cara tortura cotidiana.
O
trabalhador paulista gasta entre 25% e 30% de sua renda para passar um mês por
ano (três horas por dia) em conduções superlotadas. O lucro das (poucas e
monopolizadas) empresas adjudicatárias do serviço público, nascidas da
privatização da antiga CMTC, é de mais de R$ 100 milhões mensais, numa
estimativa baixa (@rhwinter), lucros alimentados pelos bolsos populares e pelos
subsídios públicos (bancados pelos impostos indiretos).
Para
proteger essa situação e esses lucros foi acionado, na primeira semana de
junho, um aparelho policial/militar herdado da ditadura militar, preservado
pelos “neoliberais” e aperfeiçoado pelo governo do “Brasil de Todos”, a custa
de verbas e mais verbas (que faltam na saúde e na educação), contra dois mil,
primeiro, cinco mil, depois, manifestantes. Tratados com extrema brutalidade.
Os
milhões que estão nas ruas não foram convencidos a fazer isso via facebook:
foram convencidos pelo uso do transporte público, pelas filas dos hospitais
públicos, pelas escolas públicas sem professores e, finalmente, pelas balas de
borracha, as bombas de efeito moral e os gases lacrimogêneos. O facebook
limitou-se a lhes repassar (a alguns) o ponto de encontro.
Pergunta:
porque alguns ainda se manifestam “surpresos” e até “atordoados” com o
crescimento, geométrico e nacional, da mobilização?
Ou,
como se perguntou uma conhecida editorialista da Folha de S. Paulo (18/6):
“Parecia tudo tão maravilhoso no oásis Brasil e, de repente, estamos revivendo
as manifestações da Praça Tahir, no Cairo, assim de repente, sem aviso, sem um
crescendo. Fomos todos pegos de surpresa. Do paraíso, deslizamos no mínimo para
o limbo. O que está ocorrendo no Brasil?”. “Todos” quem, cara-pálida? Ocorre
que o oásis da editorialista pouco tem a ver com o deserto dos explorados
brasileiros. O que está ocorrendo no Brasil é que se trata de um país povoado
por seres humanos, não (apenas) por camelos (gado) do agronegócio.
Para
fazer do país uma plataforma privilegiada de valorização fictícia do capital
financeiro e industrial, com juros a la Neymar e isenções fiscais a la Messi
(ou seja, bem altos), com privatizações em sequência sem fim, se atacou em
regra o patrimônio e o serviço público (transporte, saúde, educação, e um longo
etc.), em nome da “flexibilidade”, da “eficiência” e de outros fetiches que até
uma parte (majoritária, aliás) da esquerda passou a adorar.
O
resultado foi uma dívida (interna e externa) monstruosa, aumento de tarifas, e
até tarifas onde antes não existiam. Um “oásis”, sim, para happy few. Encobriu-se
tudo com incentivos ao consumo e bolsas focalizadas que promoveram uma massiva
passagem para a “classe C”, um “país de classe média”. O resultado? Um
endividamento médio recorde de 44% da renda anual da população, que duplica
quando consideradas só as capitais, e a perspectiva de um calote geral.
Para
que? Para “crescer exportando”? Ano passado, crescimento zero e queda notória
da renda per capita. A “recuperação” deste ano já foi deflacionada para menos
de +2,5% no PIB, renda per capita +0%, com inflação de 6%, com um saldo
comercial de pífios US$ 6,5 bilhões, depois de alterar a estrutura produtiva do
país para transformá-lo em uma plataforma exportadora. Para tapar o buraco:
mais privatizações (leilões do petróleo, gestão privada dos hospitais públicos)
e eventos, minieventos e megaeventos, com sua sequela de desapropriações e leis
antiterroristas.
“Manifestações
como as atuais ficam sujeitas à classificação de ato de terrorismo, na
definição desse crime proposta pelo relator Romero Jucá na comissão especial do
Congresso que prioriza a legislação da segurança em vista dos eventos esperados
no Brasil” – constatou corretamente Jânio de Freitas. A Casa Civil da
Presidência já se adiantou, anunciando que vai apurar a participação de
servidores federais nas manifestações. “Direita”? “Terror”? Busquem por ai.
O
discurso de Dilma de sexta feira 21 confirmou seu rumo, proteger os
super-eventos e alguns tostões do pré-sal para a educação pública, para tirar
os jovens da rua (mas nada de tocar os interesses das Krotons da vida e dos
subsídios a elas, via prounis e outros fies). Um programa feito por um
marqueteiro. Contra isso, o movimento das ruas vai elaborar seu programa:
saúde, educação, transporte, moradia, cidade e espaço público, lazer, e um bom
etc.
Vai
chegar em breve à conclusão de que não é possível chegar a um patamar mínimo
satisfatório em cada ítem, e em todos eles de conjunto, sem atingir o lucro do
grande capital. Vai discutir os meios para tanto: de movimento popular
tornar-se-á movimento de classe. As palavras de ordem políticas voltarão à
agenda. Assembleia Constituinte exclusiva? Tudo bem, mas para (re)criar que
país?
Os
pitbulls da direita golpista serão enviados para as academias de anabolizantes.
Os criminosos e infiltrados que aproveitam a situação para saquear,
beneficiando só a repressão e a indústria privada do seguro, serão
neutralizados. O movimento dos “sem partido” transformar-se-á, logicamente, em
partido e, em breve, em dez partidos (no mínimo).
Os
espantalhos usados para enquadrar o movimento na sustentação da situação (do
governo) serão reduzidos à sua condição de bonecos de palha.
Os
partidos políticos (não estes) voltarão à origem nobre do termo que os designa,
depurados dos mamíferos do erário público e dos comissionistas do grande
capital e assemelhados.
Só
assim um novo Brasil poderá nascer, não um “Brasil para Todos” (alta burguesia
e parasitas financeiros incluídos), mas um Brasil dos trabalhadores manuais e
intelectuais e da juventude explorada.
Ao
serviço da unidade socialista da América Latina, e junto aos trabalhadores e
povos oprimidos do mundo que ora se levantam contra o imperialismo capitalista
em todos os continentes. A revolução não está à volta da esquina. Mas revolução
e contrarrevolução (de face múltipla) estão à espreita. A cada um de escolher
seu lado.
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